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† Inferno:
▬ Sophia… ▬ A voz suave e conhecida veio seguida de um afago nos longos fios negros da mulher, deitada sobre um colchão confortável, em um espaçoso quarto luxuoso do submundo. ▬ Sophie, vamos… Abra os olhos.
A morena girou o corpo para o outro lado em protesto ao que lhe parecia uma alucinação. Estava acostumada com isso, frequentemente alucinava com seus entes queridos, mesmo que nem um deles estivesse ali. Costumavam vir antes das torturas, depois, quando ela finalmente cedeu à proposta de seu carrasco, tornaram-se menos frequentes, mas ainda assim comuns de certa forma.
Costumavam vir em momentos como aqueles, nos quais a Winchester estava imersa em um torpor. Àquela altura, já perdera as contas de quantas vezes acontecera; de quantas vezes se viu abrindo os olhos para contemplar o rosto de um de seus familiares e encontrou o vazio de um quarto no grande palácio das Succubus, que agora lhe servia de lar.
▬ Querida… Abra os olhos.
A voz insistiu. Desde a primeira sílaba proferida, ela soube que se tratava de Allexis, sua irmã gêmea. Ela estava morta há meses no mundo humano, assim como sua esposa e filha… Mas estas não encontraram o inferno como novo lar e sim o céu; algo que despertara em Sophia a sensação de alivio, mesmo que incompleto e limitado.
Já estava no inferno há dez meses no mundo humano, mas lá em baixo era bem mais que isso; dez anos. Dez longos anos, dos quais os três primeiros foram baseados em torturas físicas diárias acompanhadas com torturas psicológicas e propostas para tornar-se um demônio… é claro que em algum momento cederia como cedeu em determinado momento. Por anos julgava-se fraca por um suicídio que não sabia ser algo manipulado por forças que, querendo ou não, era maiores que ela.
Jamais se odiara tanto por algo como se odiava por aquilo, por aquela lembrança que a atormentava insistentemente.
▬ Sou eu, irmã ▬ a voz sussurrou próximo ao seu ouvido. ▬ Abra os olhos… Fale comigo. Tenho algo a lhe dizer.
Ela obedeceu, finalmente, cedendo para ver que dessa vez não se tratava de uma alucinação e sim de sua irmã. Seu espelho. Não a vira antes de morrer, na verdade, não a via há anos. Afastaram-se como nunca pensaram ser possível quando Lexis se mudou para Miami e Sophia se manteve na caça.
Seus olhos se encheram de lágrimas e a agora súcubo ergueu o corpo, sentando-se, permitindo que seu corpo tomasse como apoio uma de suas mãos enquanto a outra fora levada ao rosto de Allexis. Ela pôde sentir a pele sob seus dedos, enquanto uma sorria para a outra. Jamais pensou que fosse ver a irmã ali, porque qualquer pessoa tentaria chegar ao inferno estando no céu? Simples; os Winchester eram bons em fazer loucuras pela família… E aquilo era sem dúvida uma loucura – mas ainda assim algo que a própria Sophia também faria pelos seus.
▬ O que faz aqui? Estava no céu… ▬ Disse baixo, sentindo o toque de Allexis sobre sua mão.
▬ Vim com uma causa especial. ▬ Respondeu a mulher. ▬ Você vai voltar. Há muito que não sabe, muito sobre sua morte…
▬ Eu não posso voltar, Lexis. ▬ Exclamou interrompendo a irmã. ▬ Não sendo… isso. Não entende que…
▬ Você pode e vai… ▬ Lexis respondeu com firmeza, segurando as mãos da irmã. ▬ Escute, bem. Não tenho muito tempo, então preciso que preste atenção no que vou contar agora. Entendeu?
Sophia assentiu, engolindo em seco.
▬ Muito bem. ▬ Allexis concluiu e sorriu brevemente continuando: ▬ Você tem uma nova chance, a culpa não foi sua então consegui isso para você. Preciso que tome cuidado, ok? Vai voltar diferente, e não pode confiar em qualquer um… Pessoas realmente confiáveis poderão aparecer em seu caminho, mas isso não significa que todas que pareçam vão ser. Mantenha-se forte desta vez, mostre a todos o que sempre quis provar; que não depende de ninguém e nem nada para ser forte. Entendeu?
Sophia assentiu fitando a irmã que sorriu segurando suas mãos. Allexis jamais merecera o inferno, ela nunca foi como a família, sempre esteve acima disso. Sempre se mostrou uma mulher forte e dedicada à sua independência, e não a uma doutrina doentia que se arrastou por gerações de um lado e de outro foi despertada pela sede de vingança.
Ela não sabe como aconteceu, mas aos poucos tudo começou a ficar escuro e frio.
† 18 de dezembro de 2016, Terra
Seus solhos se abriram rapidamente e os pulmões puxaram todo o ar que poderiam receber. Aquilo ardeu, mas logo após o segundo inspiro, já não sentia mais nada de diferente do que se lembrava de como era respirar. Sua visão demorou para focar em algo, turva, exibia um manto escuro sobre seu corpo, mas logo que começou a enxergar melhor, notou que o manto era o céu noturno, pontilhado por estrelas brilhantes e vistosas; algo que via reproduzido nos sonhos que invadia durante as noites dos mortais. Seus lábios se curvaram em um sorriso largo ao contemplar tal beleza, principalmente porque passava horas dedicando-se a admirar aquele mesmo manto infinito, guardião de tantos segredos e inspiração de tantos…
O chão duro e úmido sob seu corpo foi a segunda coisa que distinguiu. Ergueu o tronco, sentindo tudo girar com a mudança brusca de posição e apoiou as mãos no que sentiu ser terra úmida. Sentia-se renascida; e de fato estava. Olhou em volta, buscando algo conhecido, e deu conta que realmente conhecia aquele lugar. Estava em um jardim, um jardim conhecido. A casa de seu irmão, Dean, e de sua cunhada e melhor amiga, Bear, se erguia atrás do jardim a sua frente.
Era real, pois jamais vira o céu em qualquer alucinação, por mais realista que fosse, ele nunca estava lá… E agora estava. Significava que estava realmente em casa, que estava de volta.
Ergueu o corpo, precisando de força para isso. Cambaleou sem sair do lugar, sentindo o corpo pesar. Suas pernas pareciam desacostumadas a carrega-la, seu equilíbrio parecia algo a ser desenvolvido… Aquele não parecia ser seu corpo, apesar de ser, era como se estivesse aprendendo a usá-lo ou despertando de um sono induzido por um sedativo potente.
Caminhou, descalça. Subiu os degraus da varanda com dificuldade, mas logo que se viu na mesma, seu corpo ameaçou cair, obrigando-a a escorar-se na parede ao lado da porta. Apertou a campainha, primeiro rápido e depois de forma contínua até que seu cérebro lhe ameaçou apagar e assim ela esfregou o rosto, tentando encontrar alguma energia em seu interior.
Foi nesse segundo que a porta se abriu.
Sophia fitou o rosto conhecido de Bear na porta, agora tomado por uma expressão de choque e surpresa.
▬ So-Sophie?
Ela gaguejou. Sophia sorriu e suspirou, aliviada e logo já não se suportava mais de pé. O corpo pesou mais ainda, tudo girou e a visão fechou. A última coisa que sentiu, foi o baque surdo contra o chão duro, e nada mais.